Artigo – Planos Coletivos por Adesão e os reajustes abusivos
Thadeu Alencastro
Os reajustes dos Planos de Saúde Coletivos por Adesão e a aplicação deficitária das balizas estabelecidas no Recurso Especial Repetitivo nº 1.568.224 – RJ pelo TJDFT
Em pronunciamento no último dia 07/03 do corrente ano, o Senador Reguffe [1] (sem partido-DF) subiu à Tribuna do Senado Federal e fez contundente pronunciamento contra a notória e criminosa prática das grandes operadoras de saúde do país que se negam a comercializar planos de saúde individuais — inserindo os consumidores em planos coletivos por adesão, sem que os referidos tenham qualquer vínculo com a entidade descrita em contrato [2]; denominados “falsos coletivos” –, com o exclusivo e espúrio objetivo de escapar dos regramentos inerentes à modalidade individual, como, por exemplo, o tabelamento do reajuste das mensalidades e a impossibilidade de rescisão unilateral do plano, tudo sob a conivência e o silêncio eloquente da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que possui a missão de fiscalizar o setor.
Vale salientar que, hoje, o número de usuários de planos de saúde inseridos nessa modalidade representa um universo de mais de sete milhões de pessoas [3].
Todavia, os mais afetados com os estratagemas aplicados pelas operadoras são os idosos. As principais operadoras de plano de saúde do país sequer comercializam novos planos individuais e familiares aos usuários da terceira idade.
Os idosos, a despeito de arcarem com as maiores mensalidades dos planos, são desinteressantes do ponto de vista econômico-financeiro às operadoras de saúde, pois, quanto mais elevada a idade, naturalmente, utilizam uma fração maior dos serviços médico-hospitalares e com mais habitualidade que os mais jovens. [4]
Na prática, os usuários de planos de saúde da terceira idade na modalidade de adesão, ao completarem 59 (cinquenta e nove) anos e ao se inserirem no último grupo etário de reajuste, passam a arcar com reajustes que facilmente superam os 80%, somente em razão mudança da faixa etária, além dos reajustes anuais que giram, em média, de 15% a 30%, muito acima de qualquer índice da inflação.
Portanto, não é raro encontrar situações em que 3 (três) anos após o atingimento dos 59 (cinquenta e nove) anos de idade o usuário idoso passe a arcar com uma mensalidade que representa um aumento real de 300% (trezentos por cento) em relação àquela paga anteriormente e que, como visto, irá continuar a sofrer aumentos de forma exponencial durante toda a senilidade em razão dos reajustes anuais.
Somente a título de exemplo, para se ter ideia da inviabilidade de qualquer cidadão idoso permanecer no plano nessas condições — salvo pequeníssima e abastada minoria, obviamente –, suponhamos que o aludido pague, já considerado o acréscimo do reajuste por faixa etária, a mensalidade de R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais) de plano de saúde — preço médio de um plano de saúde para idoso com direito a quarto individual. Caso lhe seja aplicada uma média de 19% de reajuste ao ano [5], a referida mensalidade, em dez anos, será, pasmem, de R$ 14.263,71 (quatorze mil duzentos e sessenta e três reais e sessenta e um centavos).
Obviamente, tal situação tem levado a uma gradual, gravíssima e desumana expulsão compulsória dos mais velhos dos planos de saúde privados, em razão de se virem impossibilitados de continuar a arcar com o valor das prestações, após contribuírem durante anos com o plano, pagando mensalidades caríssimas, e na fase da vida em que mais necessitam do amparo médico.
Todos esses fatores somados, levaram ao ajuizamento de milhares de ações judiciais em todo o país, com fundamento no Art. 15, § 3º, do Estatuto do Idoso, que veda expressamente a discriminação de pessoas nessa faixa etária pelos planos de saúde com a cobrança de valores diferenciados em razão da idade.
Nesse contexto, em 18/05/2016, o Superior Tribunal de Justiça, afetou o Recurso Especial n.º 1568244/RJ à 2ª Seção daquela Corte de Justiça, submetendo-o à sistemática dos recursos repetitivos, com a Relatoria do Exmo. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, de modo a aferir “a validade da cláusula contratual de plano de saúde que prevê o aumento da mensalidade conforme a mudança de faixa etária do usuário”.
Finalmente, em 14/12/2016, a Segunda Seção julgou o recurso especial firmando a seguinte tese: “O reajuste de mensalidade de plano de saúde individual ou familiar fundado na mudança de faixa etária do beneficiário é válido desde que (i) haja previsão contratual, (ii) sejam observadas as normas expedidas pelos órgãos governamentais reguladores e (iii) não sejam aplicados percentuais desarrazoados ou aleatórios que, concretamente e sem base atuarial idônea, onerem excessivamente o consumidor ou discriminem o idoso.”.
Aqui é necessária uma observação. A despeito da tese fixada pelo Tribunal da Cidadania ter sido, inicialmente, restrita aos reajustes sob a ótica da mudança de faixa etária, aquela Corte de Justiça também firmou diretrizes em relação à aplicação dos reajustes anuais aos idosos.
Dito isso, o v. acórdão, publicado em 19/12/2016, apesar de declarar válidos os reajustes de mensalidade por mudança de faixa etária dos usuários, trouxe balizas que devem nortear a aferição da legalidade dos aumentos e que deverão ser sempre justificados em cálculos autuarias que demonstrem a adequação e razoabilidade do índice aplicado no caso concreto.
Nesse sentido, colham-se trechos do citado acórdão:
“c) Para os contratos (novos) firmados a partir de 1º/1/2004, incidem as regras da RN nº 63/2003 da ANS, que prescreve a observância (i) de 10 (dez) faixas etárias, a última aos 59 anos; (ii) do valor fixado para a última faixa etária não poder ser superior a 6 (seis) vezes o previsto para a primeira; e (iii) da variação acumulada entre a sétima e décima faixas não poder ser superior à variação cumulada entre a primeira e sétima faixas.
Logo, infere-se que a abusividade dos aumentos das mensalidades de plano de saúde por inserção do usuário em nova faixa de risco, sobretudo de participantes idosos, deverá ser aferida em cada caso concreto.
E tal reajuste será adequado e razoável sempre que o percentual de majoração for justificado atuarialmente, a permitir a continuidade contratual tanto de jovens quanto de idosos, bem como a sobrevivência do próprio fundo mútuo e da operadora, que visa comumente o lucro, o qual não pode ser predatório, ante a natureza da atividade econômica explorada: serviço público impróprio ou atividade privada regulamentada, complementar, no caso, ao Serviço Único de Saúde (SUS), de responsabilidade do Estado.”[6]
(…)
Nesse passo, cumpre ressaltar que, se for reconhecida a abusividade do aumento praticado pela operadora de plano de saúde devido à alteração de faixa etária, para não haver desequilíbrio contratual, faz-se necessária, nos termos do art. 51, § 2º, do CDC, a apuração de percentual adequado e razoável de majoração da mensalidade em virtude da inserção do consumidor na nova faixa de risco, o que deverá ser feito por meio de cálculos atuariais na fase de cumprimento de sentença.”[7] (ênfase acrescida)
Idêntica diretriz foi expressamente registrada no Recurso Repetitivo em relação aos reajustes anuais:
“7. Para evitar abusividades (Súmula nº 469/STJ) nos reajustes das contraprestações pecuniárias dos planos de saúde, alguns parâmetros devem ser observados, tais como (i) a expressa previsão contratual; (ii) não serem aplicados índices de reajuste desarrazoados ou aleatórios, que onerem em demasia o consumidor, em manifesto confronto com a equidade e as cláusulas gerais da boa-fé objetiva e da especial proteção ao idoso, dado que aumentos excessivamente elevados, sobretudo para esta última categoria, poderão, de forma discriminatória, impossibilitar a sua permanência no plano; e (iii) respeito às normas expedidas pelos órgãos governamentais:(…)” – negrito acrescido.
Não residem dúvidas, portanto, da determinação do C. Superior Tribunal de Justiça da imprescindibilidade de demonstração de cálculo atuarial para legitimar os reajustes dos planos de saúde — seja anual ou por faixa etária — de modo a impedir a utilização de índices aleatórios, desarrazoados ou abusivos que, eventualmente, sirvam para dificultar ou impedir a permanência do idoso no plano.
Não obstante, o E. TJDFT, conforme se denota em recentes precedentes daquela Corte, infelizmente, tem se limitado a aferir se os reajustes pela mudança de faixa etária atendem aos critérios estabelecidos no Art. 3º da Resolução Normativa n.º 63, de 22 de dezembro de 2003 [8].
Alguns julgados do Tribunal de Justiça brasiliense, em casos de contestação de ilegalidade dos índices utilizados pelo plano, têm feito, sponte propria, a substituição do índice pela simples soma da variação dos índices acumulados entre a primeira e a sétima faixas do plano [9], ignorando a elaboração dos cálculos atuariais para tal finalidade, o que claramente afronta a orientação do Superior Tribunal de Justiça fixada no repetitivo.
E o mais grave, tem passado complementarmente ao largo do E. TJDFT a aferição da legalidade dos reajustes anuais no caso concreto, sem exigir que o plano de saúde faça prova dos cálculos atuarias que os justifiquem, mesmo ciente da prática criminosa dos planos de saúde de relegar os idosos dos planos individuais, inserindo-os em contratos coletivos por adesão, para justamente possibilitar-lhes a aplicação de índices aleatórios e extorsivos.
Com efeito, fica evidente a aplicação deficiente da tese sufragada pelo Superior Tribunal de Justiça no âmbito do E. TJDFT, visto que, não raro, tem ignorado a necessidade de demonstração, pelo plano, da base atuarial idônea dos reajustes, prendendo-se apenas aos critérios aritméticos estabelecidos pela Resolução Normativa n.º 63 da ANS, o que, evidentemente, é insuficiente para evitar práticas abusivas pelas operadoras.
Outro ponto no qual, a nosso sentir, o Tribunal tem se equivocado, diz respeito à distribuição do ônus da prova nesses casos.
O ônus de produzir os cálculos atuariais que comprovem a adequação do reajuste será sempre do plano de saúde, ainda que a relação consumerista (Art. 6º, VIII, CDC) não esteja presente na hipótese.
Explica-se.
O Código de Processo Civil em vigor (Lei n.º 13.105/2015), positivou a distribuição dinâmica do ônus da prova no Art. 373, § 1º, do CPC, o qual dispõe que o juiz poderá “diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, atribuir o ônus da prova de modo diverso”.
O preceito legal se aplica com perfeição às demandas dessa natureza. Não há dúvidas quanto à situação de vulnerabilidade e hipossuficiência do usuário do plano frente às operadoras de saúde, devendo o ônus da prova, em tais casos, recair sempre sobre estas.
Por todo o exposto, não se exige grande esforço para entender a importância do papel a ser desempenhado pelo Poder Judiciário, último bastião da proteção da cidadania, indispensável para frear a prática ilegal institucionalizada pelas operadoras de saúde, mormente em face da manifesta letargia da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
Ao Ministério Público, fiscal da ordem jurídica, fica aqui também o apelo para se valer de sua função constitucional e promover Inquéritos Civis e Ações Civis Públicas em desfavor dos planos de saúde, na defesa dos direitos difusos e coletivos.
Em outras palavras, o Poder Judiciário não pode, como, infelizmente, vem sendo a máxima, tratar esses casos com leniência e somenos importância.
Nas lições do Decano do Supremo Tribunal Federal o “Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional”. [10]
Conclama-se, portanto, que os Juízes do E. TJDFT passem a exigir que os planos de saúde comprovem o vínculo dos usuários — especialmente os idosos — com as entidades ou associações nos chamados planos coletivos por adesão, e, ainda, que os índices de reajustes aplicados — por faixa etária e/ou anual — sejam sempre precedidos de comprovação, pelo plano, dos cálculos atuariais que o justifiquem; tudo sob pena de aplicação dos regramentos dos planos individuais ao caso submetido à análise do Poder Judiciário.
No mínimo, que observem, na integralidade, a orientação firmada pelo C. Superior Tribunal de Justiça e determinem a elaboração de cálculos atuariais para verificar, caso a caso,se o referido aumento é “adequado e razoável” e permite a continuidade contratual dos idososno plano, consoante deliberação do E. Tribunal da Cidadania no Recurso Especial Repetitivo.
Thadeu Alencastro
[1] Cf. https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2019/03/07/reguffe-denuncia-seguradoras-de-planos-e-saude-e-pede-mais-atuacao-da-ans (matéria) e https://www.facebook.com/watch/?v=397440477734736 (vídeo)
[2] Rol previsto no art. 9º da RN 195/2009 da ANS
[3] Cf. https://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/saude/547585-proposta-torna-obrigatoria-oferta-de-planos-individuais-e-protege-idoso-em-plano-coletivo.html
[4]Cf.https://www.terra.com.br/noticias/dino/idosos-sao-proibidos-de-fazer-plano-de-saude-mesmo-pagando-500-a-mais,cc2584cfa1d8f22e5979a9d189 a71358eu9lvccr.html
[5] Reajustes aplicados pela Sulamérica para contratos coletivos com até 30 beneficiários de maio a abril de 2018. http://www.ans.gov.br/planos-de-saude-e-operadoras/espaco-do-consumidor/reajustes-de-precos-de-planos-de-saude/reajustes-aplicados-pelas-operadoras-para-contratos-coletivos-com-ate-30-beneficiarios.
[6] Cf. página 23 do Recurso Especial n.º 1.568.244-RJ.
[7] Cf. página 31 do Recurso Especial n.º 1.568.244-RJ.
[8] Confira-se: Acórdão n.1156413, 20160310178089APC, Relator: NÍDIA CORRÊA LIMA 8ª TURMA CÍVEL, Data de Julgamento: 28/02/2019, Publicado no DJE: 08/03/2019. Pág.: 619/628; Acórdão n.1151237, 07091045020178070020, Relator: ALVARO CIARLINI 3ª Turma Cível, Data de Julgamento: 13/02/2019, Publicado no DJE: 20/02/2019. Pág.: Sem Página Cadastrada.; (Acórdão n.1148454, 07042944920188070003, Relator: CARMELITA BRASIL 2ª Turma Cível, Data de Julgamento: 06/02/2019, Publicado no DJE: 11/02/2019. Pág.: Sem Página Cadastrada.
[9] Nesse sentido: Acórdão n.1148831, 07004725820188070001, Relator: SILVA LEMOS 5ª Turma Cível, Data de Julgamento: 06/02/2019, Publicado no DJE: 11/03/2019. Pág.: Sem Página Cadastrada.; Acórdão n.1150256, 20160111204136APC, Relator: JOÃO EGMONT 2ª TURMA CÍVEL, Data de Julgamento: 06/02/2019, Publicado no DJE: 12/02/2019. Pág.: 815/830; Acórdão n.1143832, 07127257820188070001, Relator: CESAR LOYOLA 2ª Turma Cível, Data de Julgamento: 12/12/2018, Publicado no DJE: 18/12/2018. Pág.: Sem Página Cadastrada.; Acórdão n.1141363, 07051830320188070003, Relator: SANDOVAL OLIVEIRA 2ª Turma Cível, Data de Julgamento: 05/12/2018, Publicado no DJE: 10/12/2018. Pág.: Sem Página Cadastrada.
[10] STF – Supremo Tribunal Federal – RE-AgR – Processo: 271286 Fonte DJ 24-11-2000 Relator(a) CELSO DE MELLO.